Punks,

Por: Amarildo Adriano

Nos anos 80, Brasília já havia consolidado seu nome no cenário nacional com bandas como Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude, que ecoavam pelas rádios e programas de televisão. Mas enquanto o mainstream celebrava o sucesso do rock brasiliense, um outro movimento começava a ganhar vida nas margens da cidade: o underground. Bandas que jamais tocariam nas grandes rádios ou apareceriam na TV precisavam encontrar sua voz. Foi nesse contexto que, em 1988, nasceu a Mosh Produções, um movimento que trouxe barulho, resistência e unidade para os rejeitados pelo sistema.

Criada por Simone Death e Ronan, guitarrista e vocalista da banda PUS, a Mosh Produções começou como uma tentativa de alavancar a própria banda. Mas rapidamente tornou-se um divisor de águas, conectando Brasília ao cenário nacional da música extrema e consolidando a capital como um berço do punk, hardcore, crossover e heavy metal.

Antes da Mosh, o underground brasiliense sobrevivia com poucos shows, bandas amadoras e uma cena dispersa. A Mosh Produções mudou isso ao trazer para Brasília nomes como Dorsal Atlântica, Ratos de Porão, Sepultura, Vulcano, Chakal, Kreator, Genocídio, Sarcofágo, Attomica dentre outras dezenas. Pela primeira vez, a cidade entrou na rota de turnês nacionais e os palcos da capital foram ocupados por bandas que só eram conhecidas pelos fanzines, pelas rodinhas de conversa e pelas famosas demo tapes.

Mais do que isso, a Mosh abriu espaço para as bandas locais. Grupos recém-formados, como o próprio PUS, encontraram nos shows uma chance de se apresentar para públicos maiores e interagir com grandes nomes do underground.

Os shows organizados pela Mosh não eram apenas eventos. Para muitos jovens desajustados, eram uma válvula de escape. Um lugar onde podiam se conectar com seus pares, dividir ideias e expressar suas revoltas, fazer novos amigos. Afinal, o heavy metal e o punk não eram bem vistos pela sociedade da época, sendo frequentemente associados à rebeldia e ao caos. Mas para essa juventude “perdida”, eram a trilha sonora de suas vidas.

Os eventos aconteciam em espaços pequenos e improvisados, como o Teatro Sesc Garagem, escolas públicas como o GISNO, Setor Leste e Escola Parque, e a Concha Acústica. Cada show era uma celebração da resistência e do espírito “faça você mesmo”, onde o público, apesar de todas as dificuldades, comparecia em peso para manter a cena viva.

UMA ODISSÉIA CHAMADA VOLTA PRA CASA

Frequentar os shows da Mosh era um ato de coragem, especialmente para quem morava nas cidades-satélite de Brasília. O transporte público era precário, e a maioria dos eventos acontecia no Plano Piloto. Era importante andar de galera para a propria proteção afinal as satelites eram cidades perigosas precisavam encarar verdadeiras odisseias para assistir aos shows e, ao final da noite, dormiam nas paradas ou na rodoviária à espera do primeiro ônibus para voltar para casa.

Essas dificuldades, no entanto, criaram uma comunidade ainda mais unida um cuidava do outro. O esforço compartilhado e a paixão pela música extrema forjaram laços que resistiram ao tempo e consolidaram a Mosh como um marco na cultura underground da cidade.

O final dos anos 80 foi um período de transformação no Brasil, com a redemocratização em andamento e a Constituição de 1988 trazendo novos ares para o país. Mas para a juventude de Brasília, a repressão cultural ainda era uma realidade, e a música extrema tornou-se uma forma de expressar indignação e buscar pertencimento.

A Mosh Produções desempenhou um papel essencial nesse movimento. Sem internet, redes sociais ou plataformas de streaming, a música circulava nas trocas de demo tapes, nas páginas de fanzines e, principalmente, nos palcos. Era ali que a resistência ganhava forma, volume e impacto.

1988-1991: UM RECORTE CRUCIAL

Embora a Mosh Produções continue ativa até hoje, 37 anos após sua fundação, optamos por fazer um recorte histórico de 1988 a 1991 nesta matéria por que após três anos de intensa atividade, Ronan e Simone se mudaram para São Paulo em 1991, levando a banda PUS para novos horizontes. Com essa mudança, a Mosh Produções reduziu significativamente o ritmo de suas atividades em Brasília.

Esse período entre 88/91 foi crucial para o desenvolvimento do underground de Brasília. Foi quando a Mosh transformou shows esporádicos e amadores em eventos regulares e profissionais, consolidou a cidade como uma parada obrigatória para turnês nacionais e ajudou a impulsionar o surgimento de novas bandas locais.

Foi também nesse período que shows históricos aconteceram, como o primeiro do Sepultura em Brasília, em 1989, recém chegados de sua primeira turnê internacional do álbum “Beneath the Remains”. Esse foi o maior evento até então organizado pela Mosh em termos de público, marcando um momento de auge para a cena, esse show foi realizado no lendario Gran Circolar e até hoje é lembrado nas rodas.

O LEGADO DA MOSH

A Mosh Produções não foi apenas uma produtora de shows; foi um movimento que deu voz aos rejeitados e construiu as bases solidas para que a cena underground brasiliense se torna-se o que é hoje. Seu maior legado foi a formação de plateias, o fortalecimento de bandas locais e a inspiração para novos produtores culturais.

Hoje, a cena de Brasília é repleta de estúdios, eventos regulares e plataformas que conectam artistas e fãs. Mas o espírito de resistência e autossuficiência que marcou os anos 80 continua vivo. A Mosh é um lembrete de que, mesmo nas condições mais adversas, é possível transformar barulho em revolução.

E você? Lembra dos shows, das dificuldades ou da emoção de fazer parte dessa história? Compartilhe suas memórias e ajude a manter viva a chama da Mosh Produções e do underground de Brasília.